Quando entro em uma nova turma a primeira proposta que faço aos alunos é que escolham pelo menos um livro literário para a leitura durante o semestre, e a segunda, é que os primeiros dias de aula se transformem em uma espécie de redação para a confecção de um Fanzine.
A idéia de deixar o conteúdo de lado nos primeiros dias de contato com a turma pode parecer absurda no começo, mas o desenvolvimento da atividade mostra que o ganho pode ser bem significativo do ponto de vista cultural e emocional, motivando e integrando a turma, mais principalmente porque faz com que os alunos entendam na prática a relação intrínseca entre leitor e autor.
A atividade é simples, após uma pesquisa sobre o que são os Fanzines, seu histórico e principais manifestações, estimulo a confecção de um material da turma. Para isso, sugiro que os alunos se reúnam em equipes diferentes, de criação, edição e redação, cada qual com uma responsabilidade. Minha idéia é que eles sejam capazes de perceber as diferentes dimensões que perpassam a confecção de um Fanzine que, respeitando as diferentes proporções, se assemelha bastante a rotina de um jornal impresso.
Noto que atividade motiva por sua dinâmica e também porque é um momento real de integração em que, apesar da separação em grupos, cada um depende do outro para a conclusão do seu próprio trabalho gerando um sentido de responsabilidade muito significativo. Esse resultado positivo é reforçado pelo que considero o ponto culminante da atividade que é o surgimento do senso de responsabilidade pela produção textual.
O Fanzine é um material pensado para ser distribuído entre professores, alunos, amigos e família, assim, existe o pressuposto de um leitor real, quer dizer, é um texto diferente daqueles produzidos pelos alunos durante a maior parte da sua vida acadêmica, voltado para um leitor específico e com um objetivo específico, o professor e sua avaliação.
Este texto não só pretende atingir outros leitores como também seu objetivo primeiro é a comunicação e não a nota. Essa simples mudança na figura do leitor e no objetivo do texto provoca uma transformação significativa na postura de autor dos alunos e, conseqüentemente, provoca uma mudança no texto.
Ao se tornarem autores efetivamente, com diferentes leitores a espera do seu conteúdo, os alunos também percebem que para escrever bem é preciso ler com atenção o seu texto e de outros autores. Eles percebem que ser leitor é fundamental para a construção do próprio texto, amplia a criatividade, o vocabulário e as referências textuais, por isso, antes de concluir a sua produção eles passam a buscar o exemplo de outros Fanzines, textos e jornais. Alguns até se convencem da importância da minha primeira proposta, a leitura de um livro literário.
A atividade termina com uma espécie de lançamento do Fanzine em que os alunos mostram para colegas de outras turmas a sua produção. Nesta etapa a turma já está tão consciente dos erros e acertos, já leu e releu, já sabe quais são as falhas e qualidades do texto que fica mais fácil enfrentar os elogios e também as críticas.
A experiência com o Fanzine foi uma forma que encontrei para discutir com meus alunos, logo de saída, que a produção textual é um processo que começa com a leitura. Não tenho dúvidas que existam outras possibilidades de trabalho com efeitos iguais ou melhores. O importante é que o curso de jornalismo possa ensinar a escrita em sua dimensão mais ampla, como processo de construção, que começa e termina no texto (sem descartar a sua dimensão social), mas que envolve sempre dois: o leitor-autor e o autor-leitor.
Kátia Zanvettor é jornalista e doutoranda pelo programa de Pós-Graduação em Educação da USP. É também professora do curso de Pós-graduação em Comunicação do UniFOA
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