segunda-feira, 6 de abril de 2009

Artigo: A sétima arte e a comunicação


O cineasta turco Nuri Bilge Ceylan diz que o primeiro filme que lhe marcou profundamente foi ‘O Silêncio’, de Ingmar Bergman, no qual a ausência de diálogos exprime uma das características mais fortes da obra do mítico diretor. A assertiva de Ceylan tem toda a procedência, já que sua filmografia tem muitos paralelos com a do cineasta sueco e sua recorrente abordagem da incomunicabilidade.
Aliás, são muitos os diretores que realizaram filmes em que a comunicação verbal não é a única forma dos personagens contarem suas histórias e exprimirem seus sentimentos. E cada um desses filmes pode ser uma ferramenta extremamente apropriada para a realização de uma sessão de cinema, acompanhada de debate sobre um dos temas mais presentes e fundamentais no dia-a-dia das organizações: a comunicação nos seus diversos campos, natureza, formas, dificuldades, contradições e complexidade.
Entre os inúmeros exemplos podemos lembrar ‘Fale com Ela’, de Pedro Almodóvar, sobre o amor de um homem por uma mulher em coma. Mesmo assim e sem esmorecer, ele encontra formas para tentar se comunicar com ela. Vai a shows, assiste a filmes, enfim, participa da vida e volta ao hospital onde ela está internada para contar e dividir com sua amada tudo o que viu lá fora.
Outro exemplo impactante é ‘Abril Despedaçado’, de Walter Salles, em que o terrível ‘pai patrão’ – papel vivido num excelente desempenho por José Dumont – submete a família aos seus modelos mentais arraigados e conservadores. O filme é um falar de não-ditos, expresso pelos olhares e pelos silêncios de pessoas que não tinham sequer capacidade de verbalizar seus sentimentos.
Já o hilário ‘Narradores de Javé’, de Eliane Caffé, é um filme todo apoiado na oralidade e na forma como cada pessoa narra os acontecimentos que vivenciou. Ou seja, a versão de cada um para uma mesma história depende do seu olhar, sua formação sociocultural, seus padrões, crenças e preconceitos.
Mas, voltando ao diretor Ceylan – que tem um pensamento muito pessoal sobre os processos de comunicação – ‘Climas’, seu último trabalho, além de ser um bom exemplo de filme sobre a incomunicabilidade, é também uma prova do que ele pensa a respeito, conforme entrevista concedida durante o último Festival de Nova York, onde o filme foi lançado.
Bem fiel ao seu estilo, já mostrado no belíssimo ‘Nuvens de Maio’ e no melancólico ‘Distante, Climas’ conta a história de Isa e Bahar, duas pessoas solitárias que vivem em busca da felicidade, presente apenas em poucos momentos. Isa, personagem interpretado pelo próprio diretor, tem medo de se comprometer mais a fundo em uma relação com Bahar, bem mais jovem que ele. O papel é vivido pela atriz Ebru Ceylar, esposa do diretor na vida real.
Com poucos e contidos diálogos, atmosfera intimista e belas imagens, o filme acompanha o rompimento do casal e sua frustrada tentativa de reatar a relação, ao longo de um verão e de um inverno. Logo após a projeção, o diretor – que nasceu em Istambul, em 1959 – enfatizou que ‘Silêncio’ foi de fato o filme que teve uma grande influência em sua carreira.
"Ele fez com que eu visse o cinema como algo além do divertimento; mas, além dele, filmes de outros diretores também foram importantes para mim como os de Ozu (Yasujiru), que me fizeram pensar nas encenações e nas escolhas estéticas. Seus filmes, ao contrário dos de outros cineastas da época, se preocuparam com técnicas inovadoras e foram ficando cada vez mais depurados", afirmou, explicando a quase ausência de diálogos em seus filmes.
"Sou uma pessoa muito ligada na forma como os seres humanos se comunicam e acho que os rostos e os corpos dizem mais que as palavras, que são, na maior parte das vezes, um para-vento e não um instrumento da verdade; servem mais para encobrir do que para revelar. Não acredito muito no que as pessoas dizem, mas acredito muito no que não dizem. O que elas calam tem muito mais informação. Os olhares, os gestos, as expressões, as posturas e, muitas vezes o silêncio, dizem mais do que as palavras", ressaltou.
Numa transposição para o mundo corporativo, as afirmações de Ceylan representam um ensinamento quanto à importância de ouvirmos nossos colaboradores nas diversas formas em que expressam suas opiniões, seus pensamentos e até mesmo suas angústias.
E lembram que, principalmente nesses tempos de crise, se torna cada vez mais importante que a comunicação, além dos aspectos relacionados com a ética, a transparência e a clareza, não deixe de contemplar os muitos aspectos da diversidade presentes em toda a cadeia da organização.


Myrna Silveira Brandão é administradora, jornalista e socióloga. Trabalhou durante vários anos na Petrobras, no setor de Gestão com Pessoas, responsável pelas áreas de Avaliação de Treinamento, de Tecnologia Educacional e de Benefícios, entre outras. É autora dos livros ‘Leve seu gerente ao cinema’ e ‘Luz, câmera, gestão – a arte do cinema na arte de gerir pessoas’, ambos da Qualitymark Editora. Atualmente, assina a coluna ‘Filmes para uma reflexão corporativa’, na revista ‘Gestão & Negócios’, e realiza coberturas de festivais de cinema no Brasil e no exterior.

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