quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Porque a democracia necessita do jornalismo investigativo


Por Silvio Waisbord é professor assistente do Departamento de Jornalismo e Meios de Comunicação de Massa na Universidade Rutgers, a Universidade do Estado de Nova Jérsei.


Na década de 1970, os repórteres desempenharam papel fundamental na revelação do que se tornou o escândalo político mais sério dos Estados Unidos no período pós-Segunda Guerra Mundial. Os jornalistas de Washington seguiram as pistas deixadas em um pequeno assalto no edifício comercial Watergate, acompanhando-as por todo o caminho até a Casa Branca. A reportagem gerou investigações no Congresso até a renúncia final do presidente Richard Nixon.
O desempenho da imprensa durante o caso Watergate foi mantido como espelho a refletir o melhor que o jornalismo poderia oferecer à democracia: manter o poder responsável. Isso tornou-se tendência nas redações norte-americanas. A profissão contou com alta credibilidade nos anos que se seguiram e ocorreu notável aumento das inscrições para escolas de jornalismo.
Quase três décadas mais tarde, a situação mudou. O jornalismo investigativo não parece ser a estrela mais brilhante do firmamento noticioso norte-americano. Enquanto o tom da imprensa era de auto-felicitação nos anos pós-Watergate, disseminou-se o pessimismo atual sobre a situação do jornalismo norte-americano. Observadores argumentaram freqüentemente que o aumento da concentração dos donos de meios de comunicação e a tendência ao sensacionalismo da cobertura noticiosa minou o vigor exigido pelas reportagens investigativas. Pressões comerciais também detêm o jornalismo investigativo. Sua grande necessidade de tempo e recursos humanos e financeiros freqüentemente entra em conflito com as expectativas de lucro e controles de custo de produção. Além disso, o fato de que as reportagens poderão resultar em ações judiciais de alto custo deixa as companhias noticiosas nervosas quanto ao apoio às investigações.
Apesar desses fatores, não tem havido falta de produção de reportagens investigativas na última década. Os principais jornais urbanos dos Estados Unidos produziram artigos que revelaram a corrupção, injustiça e má administração ambiental. As notícias das televisões locais e das redes freqüentemente produzem reportagens investigativas, que geralmente concentram-se em diversos tipos de fraudes ao consumidor, em áreas como assistência médica, serviços sociais e financiamentos residenciais.
O que é o Jornalismo Investigativo?
O jornalismo investigativo distingüe-se por divulgar informações sobre más condutas que afetem o interesse público. As denúncias resultam do trabalho dos repórteres, e não de informações vazadas para as redações.
Embora o jornalismo investigativo costumasse ser associado a repórteres individuais que trabalham por conta própria, com pouco ou nenhum apoio das suas organizações noticiosas, exemplos recentes comprovam que o trabalho de equipe é fundamental. Diferentes tipos de especializações são necessários para produzir reportagens abrangentes e bem documentadas. É necessário que repórteres, editores, especialistas jurídicos, analistas estatísticos, bibliotecas e pesquisadores de notícias colaborem nas investigações. O conhecimento do acesso às informações públicas é fundamental para encontrar quais informações são potencialmente disponíveis, com base nas leis de "liberdade da informação", e quais problemas legais poderiam surgir ao publicar-se informações prejudiciais. As novas tecnologias são extremamente valiosas para encontrar fatos e familiarizar os repórteres com as complexidades de qualquer reportagem específica. Graças à informatização dos registros governamentais e à disponibilidade de extraordinária quantidade de informações online, a reportagem assistida por computador é de grande auxílio.


A Democracia e o Jornalismo Investigativo


O jornalismo investigativo é importante devido às suas muitas contribuições à governabilidade democrática. Seu papel pode ser compreendido por atender ao modelo da imprensa do Quarto Poder. De acordo com esse modelo, a imprensa deverá tornar o governo responsável, publicando informações sobre questões de interesse público, mesmo se essas informações revelarem abusos ou crimes perpetrados por autoridades. A partir dessa perspectiva, o jornalismo investigativo é uma das mais importantes contribuições prestadas pela imprensa à democracia. Ele está relacionado com a lógica de responsabilidade mútua em sistemas democráticos. Ele fornece um mecanismo valioso para monitorar o desempenho das instituições democráticas, em sua definição mais ampla que inclui organismos governamentais, organizações cívicas e empresas públicas.
A centralização dos meios de comunicação nas democracias contemporâneas torna as elites políticas sensíveis às notícias, particularmente às "más" notícias que freqüentemente causam comoção pública. A publicação de notícias sobre más condutas públicas e econômicas pode provocar investigações judiciais e congressuais.
Em casos em que as instituições governamentais não conduzam investigações adicionais, ou que as investigações sejam obstruídas por problemas e suspeitas, o jornalismo pode contribuir com a responsabilidade ao monitorar o funcionamento dessas instituições. Ele pode examinar como essas instituições realmente cumprem com suas atribuições constitucionais para revelar o mau funcionamento, desonestidade ou má conduta no governo e na sociedade. O jornalismo investigativo mantém, pelo menos, importantes poderes de estabelecimento de uma agenda que lembre os cidadãos e as elite políticas sobre a existência de certas questões. Não há garantias, contudo, de que a atenção contínua da imprensa resulte em ações judiciais ou congressuais para investigar e acionar os responsáveis pelas más condutas.
O jornalismo investigativo também contribui com a democracia por promover a informação dos cidadãos. A informação é um recurso vital para dar poder a um público vigilante que, ao final, mantém a responsabilidade governamental através do voto e da participação. Com a ascensão da política concentrada nos meios de comunicação nas democracias contemporâneas, os meios de comunicação obscureceram outras instituições sociais como a principal fonte de informação sobre questões e processos que afetam a vida dos cidadãos.
Acesso do público
O acesso a registros públicos e leis que assegurem que os negócios públicos sejam conduzidos em sessões abertas são indispensáveis para o trabalho do jornalista investigativo. Quando as leis de censura prévia ou difamação agigantam-se no horizonte, as organizações noticiosas não estão dispostas a discutir assuntos controversos, devido a ações judiciais potencialmente de alto custo. Conseqüentemente, as democracias devem atender a certas exigências para que o jornalismo investigativo seja eficaz e proporcione informações diversas e abrangentes.


A Ética do Jornalismo Investigativo


Toda equipe de repórteres investigativos busca uma história sob circunstâncias diferentes, de forma que a criação de um livro de normas éticas gerais é problemática, embora certos padrões tenham sido aceitos de forma geral. As implicações legais das ações dos repórteres são, de longe, mais bem definidas que as questões éticas. Caso a lei o aprove, é legal; caso contrário, não é. A ética, por outro lado, lida com a distinção entre o certo e o errado, utilizando princípios filosóficos para justificar uma via de ação específica. Qualquer decisão pode ser considerada ética, dependendo do sistema ético utilizado para justificá-la e dos valores priorizados. O que os jornalistas e editores necessitam determinar é quem se beneficiará com o resultado da reportagem.
Se o jornalismo for comprometido com a responsabilidade democrática, a questão que necessita ser feita é se o público se beneficiará com o resultado de reportagens investigativas. Quais interesses o jornalismo investigativo atende ao publicar uma dada história? A imprensa atende sua responsabilidade social ao revelar más condutas? Quais interesses estão sendo afetados? Quais direitos estão sendo invadidos? A questão sendo investigada é de legítimo interesse público? Ou a privacidade individual está sendo invadida sem a investigação de nenhuma questão pública crucial?
A maior parte das discussões sobre ética e jornalismo investigativo vem se concentrando na metodologia, nomeadamente, qualquer método é válido para revelar más condutas? Erros são legítimos quando os jornalistas buscam falar a verdade? Qualquer método é justificável, independente das condições de trabalho e das dificuldades para obter a informação? Os repórteres de televisão podem utilizar câmeras ocultas para conseguir uma reportagem? Os jornalistas podem utilizar identidades falsas para ter acesso à informação?
Sobre esta questão, um fator importante a ser considerado é que o público parece menos disposto que os jornalistas a aceitar qualquer método de revelação de más condutas. Pesquisas apontam que o público suspeita de invasões de privacidade, independentemente da relevância pública de um tema. O público parece, de forma geral, menos inclinado a aceitar que os jornalistas utilizem qualquer método para obter uma reportagem. Esta atitude é significativamente reveladora em épocas em que, em muitos países, a credibilidade da imprensa é baixa. A imprensa necessita ser digna de confiança aos olhos do público. Este é o seu principal patrimônio, mas muitas vezes suas ações prejudicam ainda mais sua credibilidade. Portanto, o fato de que os cidadãos geralmente acreditam que os jornalistas conseguem qualquer história a qualquer custo necessita ser uma consideração importante. Revelações feitas utilizando métodos questionáveis de obtenção da informação podem reduzir ainda mais a legitimidade e a sustentação pública da reportagem e dos jornalistas.
As questões éticas não se limitam a métodos. A corrupção também é outra importante questão ética do jornalismo investigativo. A corrupção inclui diversas práticas, que variam de jornalistas que aceitam suborno, cancelam exposições ou pagam a fontes de informações. O dano aos cidadãos privados que pode resultar da reportagem também necessita ser considerado. Questões de privacidade normalmente são levantadas, pois o jornalismo investigativo muitas vezes anda sobre uma linha fina que divide o direito à privacidade e o direito de saber do público. Normalmente se considera que a privacidade aplica-se de forma diferente a figuras públicas e aos cidadãos comuns.
Não existem respostas prontas e fáceis para as questões éticas. Os códigos de ética, apesar de alguns méritos, não oferecem soluções definidas que possam ser aplicadas a todos os casos. A maior parte dos analistas concorda que os jornalistas devem permanecer sensíveis a questões como imparcialidade, equilíbrio e precisão. Os repórteres necessitam continuamente fazer questionamentos éticos ao longo de diferentes estágios das investigações e estar prontos para justificar suas decisões aos seus editores, colegas e ao público. Eles necessitam ser sensíveis aos interesses que estão sendo afetados e trabalhar de acordo com padrões profissionais.

O Jornalismo Investigativo na América Latina


A América Latina contemporânea oferece diversos exemplos de por quê a democracia necessita do jornalismo investigativo e como este contribui com a governabilidade democrática. O jornalismo investigativo ganhou força em todos os países em que a democracia se consolidou pela região nas últimas duas décadas, sem exceções. Relegado a publicações marginais e partidárias no passado, ultimamente ganhou aceitação na grande imprensa. Muitas razões justificam a afirmação do jornalismo investigativo, particularmente a consolidação dos governos democráticos, as transformações substanciais da economia dos meios de comunicação, a existência de publicações comprometidas com a revelação de abusos específicos e os confrontos entre algumas organizações noticiosas e alguns governos.
Como em outras regiões do mundo, o principal valor do jornalismo investigativo nas democracias latino-americanas é que ele contribui com o aumento da responsabilidade política. Isto é particularmente importante, considerando que foi identificada a fraqueza dos mecanismos de responsabilidade como um dos problemas mais sérios enfrentados pelas democracias da região. A letargia institucional, a ineficácia e a falta de reação às legítimas necessidades públicas foram freqüentemente mencionadas como as principais fraquezas. A existência de organizações noticiosas compromissadas com o jornalismo investigativo tornou-se extremamente importante. Mesmo quando outras instituições deixaram de acompanhar exposições na imprensa ou de conduzir suas próprias investigações, a imprensa manteve vivas as alegações de conduta ilegal ou anti-ética e, em alguns casos, forçou as autoridades legislativas e judiciais a agir. O jornalismo investigativo possui poder inigualável de relacionar autoridades a determinados crimes, mas pode também criar percepções públicas erradas sobre a existência de má conduta. Esta é uma faca de dois gumes. A reportagem de má conduta traz a atenção do público a supostos crimes, mas pode levar a julgamentos precipitados sobre a responsabilidade dos indivíduos, sem intervenção das instituições estabelecidas constitucionalmente para investigar e chegar a vereditos legais. Aqui, a responsabilidade ética é, novamente, de extrema importância. Acusações infundadas feitas pela imprensa podem ter efeitos danosos à reputação dos indivíduos e instituições.
A corrupção governamental tem sido o foco central das investigações da imprensa nas democracias latino-americanas. Outros assuntos (corrupção empresarial e práticas ilegais de trabalho) atraíram atenção significativamente menor. Numerosas pesquisas que indicam que a corrupção aparece de forma consistente entre as três preocupações mais altas da população em toda a região podem sugerir o impacto do jornalismo investigativo em tornar a má conduta governamental em preocupação principal.
O caso latino-americano sugere, portanto, que a existência do jornalismo investigativo é importante por si própria. O conteúdo e o equilíbrio da agenda investigativa também são relevantes. A imprensa chama a atenção dos cidadãos e legisladores para questões específicas. Muitos cenários sociais e governamentais necessitam de atenção nas democracias contemporâneas. O jornalismo investigativo é mais eficaz quando molda uma ampla rede sobre uma variedade de assuntos.

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