quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

O Jornalismo Esportivo na zona do rebaixamento


Se é verdade que está faltando espírito investigativo para a nossa imprensa, considerada em sua totalidade, mais verdade ainda é que ele tem estado praticamente ausente da cobertura esportiva em nosso País. Talvez porque ele insista em repetir os mesmos vícios do "jornalismo de celebridades", aquele que freqüenta revistas tipo Caras, Quem Acontece e Flash, entre outras, interessado mais em fofocas, na revelação dos pequenos e grandes escândalos das vidas privadas e menos na apuração dos fatos e na qualificação das informações.


Quem se dispuser a comparar os comentários dos colegas da área sobre os jogos do domingo nos jornais de segunda-feira se surpreenderá com as opiniões desencontradas e com as obviedades, como se a análise do desempenho dos atletas e das partidas pudesse ser reduzida a meras impressões, desprovida de qualquer critério lógico. Vale qualquer coisa e, com o espírito de torcedor e não de analista, os comentaristas espetacularizam a notícia, endeusam hoje os pernas-de-pau de ontem e de amanhã e ficam seduzidos por jogadas esporádicas e gols de placa que nunca se repetem. Vivem apenas o momento e o repercutem. Não conseguem enxergar além dos 90 minutos, reconstruindo o cenário todos os dias, mesmo quando o campeonato (como o brasileiro) se desenrola por 38 jogos ao longo do ano.


Mais do que outras categorias de jornalistas, os esportivos não têm qualquer perspectiva histórica e vivem à mercê dos gritos das torcidas, adjetivando a qualquer hora e por qualquer motivo, louquinhos por frases de efeito e trocadilhos, muitos dos quais de gosto discutível.


Vejamos um exemplo de dezembro de 2007, exatamente no dia 20, quando os jornais noticiaram o resultado dos sorteios dos grupos da Copa Libertadores da América, com atenção especial àqueles de que participam os times brasileiros. Os títulos das matérias indicam o problema: Brasil revê traumas na Libertadores, diz a Folha. Libertadores de tirar o fôlego, acentua O Globo. Um sorteio ingrato, alerta o Lance. Brasileiros se dão bem no sorteio, festeja o Estadão. Felizmente, como a maioria dos cidadãos não lê mais do que um jornal (a maioria esmagadora não lê jornal algum), eles estão livres deste tiroteio maluco de informações. Caso contrário, estariam se perguntando: bom, mas afinal de contas, o sorteio foi bom ou não foi para os nossos clubes? E, se fossem mais exigentes, indagariam de imediato: em que se baseiam os jornalistas para afirmar que os times brasileiros foram ou não favorecidos pelo sorteio?


As justificativas dos veículos são sempre as mesmas: altitude a ser enfrentada por alguns clubes, rivais tradicionais pela frente etc, como se essa não fosse a realidade de todas as Copas Libertadores, disputadas há décadas. Seria razoável verificar que, em grupos de 4 clubes, onde dois se classificam, as chances sempre serão grandes para os clubes brasileiros, mesmo porque, nesta primeira fase, estarão livres dos melhores times argentinos, cabeças-de-chave de outros grupos. Quase sempre os grandes times passam para a segunda fase e os que ficam no meio do caminho no início da competição são exceções. Bastaria aos jornalistas recuperar os dados, trazer evidências, mas é sempre mais fácil permanecer com a bunda sentada na cadeira e a cabeça vazia de informações. O jornalismo esportivo gosta de chutar a bola para a arquibancada.


A cobertura de esporte tem, além disso, outros vícios insanáveis. Em primeiro lugar, limita-se basicamente ao futebol, deixando de lado a maioria dos outros esportes, lembrados apenas às vésperas dos Jogos Panamericanos e Olimpíadas, quando os jornalistas da área ficam reféns da "pirotecnia" das medalhas, novamente contaminados pelo espírito de torcedor. A invasão de atletas comentaristas (alguns completamente despreparados para a função) durante as competições poliesportivas só reforça a tese de que temos poucos especialistas por aqui. Novamente, por causa disso, as análises ficam prejudicadas porque temos também atletas torcedores, como o incrível Oscar do basquete (eta mão santa!) que chora e vocifera contra os dirigentes, desabando de seus dois metros de altura. São pessoas comprometidas pela sua própria história e vínculos profissionais, mas que, pela falta de competência da imprensa, se vêem guindados à posição de fontes independentes (dá para confiar neles?).


Em segundo lugar, falta espírito analítico, certamente porque os jornalistas não conseguem comentar (e mal) mais do que o jogo que está sendo transmitido. Poucos se dispõem, como aconteceu nos Panamericanos do Rio, a analisar as marcas dos atletas e a contextualizar os resultados em um panorama mais amplo de modo a exercer o desejável espírito crítico. Fazem o jogo da torcida e com ela se decepcionam quando descobrem que as dezenas e dezenas de medalhas facilmente obtidas por aqui, em competição de menor importância, podem virar um punhadinho (às vezes uma só ou até nenhuma) quando a coisa é para valer, como na próxima Olimpíada de Pequim.


Finalmente, a imprensa esportiva estabelece uma relação promíscua com dirigentes (que no mundo esportivo brasileiro são caso de polícia) e anunciantes, buscando consolidar privilégios nefastos com o que garante exclusividade à rede Globo na cobertura da seleção brasileira e da maioria dos campeonatos de prestígio. A "toda-poderosa" submete, irresponsavelmente, os jogadores a horários inadequados (tem jogo na hora do almoço em pleno verão, a 40 graus!) e também penaliza os torcedores com partidas que se iniciam às 22 horas, atrapalhando o sono de milhões de trabalhadores.


O jornalismo esportivo brasileiro precisa atingir novos patamares e definitivamente qualificar-se para uma cobertura à altura do espaço e do tempo que o esporte ocupa na mídia nacional. Os jornalistas esportivos vivem freqüentando as baladas noturnas para flagrar atletas tomando uma cervejinha (os jornalistas são os maiores bebedores da noite e ninguém contesta a sua capacidade de trabalho no dia seguinte) ou se divertindo com mulheres (os jornalistas devem ter dor de cotovelo) e não arrumam tempo para um esforço adicional de capacitação profissional. Perseguem os jogadores (Romário, Renato Gaúcho e agora o Adriano Imperador) porque gostam de uma farra mas os endeusam no minuto seguinte, memória curta de quem não preza a coerência e vive ao sabor da notícia (e da torcida).


No fundo, o que existe são muitas páginas nos jornais e muitas horas no rádio e na televisão a serem preenchidas e, em contrapartida, pouca coisa relevante para ser informada. O jornalismo esportivo vive, para usar o jargão jornalístico, de "calhaus", "narizes de cera", "trololó", "oba-oba", quando não de tapinhas nas costas de dirigentes sem escrúpulos.


Em tempo: há exceções felizmente, mas elas são pontuais, embora importantes num universo onde falta competência profissional e abundam as fofocas e os factóides (os jornalistas esportivos devem ser os professores do prefeito César Maia!).


Será que não é possível melhorar este cenário? Até quando a gente vai ter que agüentar esta "pelada" horrível, com chutões pra todo o lado? O jornalismo esportivo precisa de reforços já. Com o time que está aí, não vai dar para evitar o rebaixamento.


Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor da UMESP e da USP, diretor da Contexto Comunicação e Pesquisa.

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